Metodologia | Nível morfológico

O segundo nível de análise que contemplamos, incide no estudo do nível morfológico da imagem. Neste ponto, seguimos as propostas enunciadas por vários autores, bastante heterogéneas entre si, já que falamos de conceitos de certa complexidade, ainda que pareçam simples.

Como veremos, algumas noções como as de ponto, linha, plano, espaço, escala, cor, etc., não são puramente “materiais” e, frequentemente, participam simultaneamente de uma condição morfológica, dinâmica, escalar e compositiva.

Este primeiro nível de análise põe sobre a mesa a natureza subjectiva do trabalho analítico relativamente ao qual, apesar de pretendermos adoptar uma perspectiva descritiva, começam a aflorar considerações de carácter valorativo. Devemos assumir, neste sentido, que toda a análise encerra uma operação projectiva, sobretudo no caso da análise da imagem fixa isolada, e que se torna muito difícil de empreender uma pesquisa dos mecanismos de produção do sentido dos elementos simples ou singulares que integram a imagem, sem ter uma ideia geral, em termos de hipótese, àcerca da interpretação geral do texto fotográfico.

Baseando-nos nas teorias ‘gestaltianas’ da imagem, convém lembrar que em todo o acto de percepção entra em jogo uma série de leis perceptivas de carácter inato, como a “lei da figura-fundo”, a “lei da forma completa” ou a “lei da boa forma”, que apontam nesta mesma direcção. Definitivamente, a compreensão do texto icónico tem uma natureza holista, na qual o sentido das partes das imagens ou dos seus elementos simples se encontra determinado por uma certa ideia de totalidade. Também convém advertir que, no campo da imagem, estes elementos simples a que nos referimos não são unidades simples sem significado.

Neste sentido, cabe sublinhar que um dos principais problemas que surgem na análise da imagem é a ausência de uma dupla articulação de níveis, ao contrário do que se verifica nas linguagens naturais, como explicaram Benveniste e Martinet, com um conjunto finito de unidades mínimas sem significação – os fonemas -, que permite articular um segundo nível de linguagem formado por unidades mínimas com significação – os morfemas -, cujo número de combinações é muito elevado. No caso das linguagens icónicas, é impossível estabelecer a existência de níveis equivalentes, algo que nos permitiria falar de forma rigorosa de um nível morfológico, de um “alfabeto visual” estricto sensu, sobre o qual se construiria um nível sintáctico e outro semântico-pragmático. No caso dos textos audiovisuais, é mais patente ainda que noutras linguagens, a necessidade de reconhecer a ausência de uma fronteira entre a forma e o conteúdo que, na realidade, funcionam como um continuum, impossibilitando delimitar onde termina um e começa o outro.


2.1 Descrição do motivo fotográfico

A análise propriamente dita da fotografia deve começar com uma detalhada descrição do motivo fotográfico, quer dizer, daquilo que a fotografia representa numa primeira leitura da imagem. Esta primeira aproximação informa-nos sobre o grau de figuração ou de abstracção da fotografia e, assim, da chave ou chaves genéricas na(s) qual (quais) se pode integrar o texto fotográfico que estudamos.


2.2 Elementos morfológicos

Ponto

Tal como destacaram estudiosos como Dondis, Kandinsky ou Villafañe, o ponto é o elemento visual mais simples, já que, do ponto de vista da composição da imagem, uma fotografia é formada por grão fotográfico, mais ou menos visível, no caso da fotografia fotoquímica, ou por ‘pixels’ (picture elements) no da fotografia digital. Convém destacar que, enquanto o grão fotoquímico possui volume, distribui-se irregularmente sobre a superfície da película e tem uma forma irregular, o pixel é ortogonal ou quadrado (segundo os tipos), carece de volume e distribui-se de forma geométrica sobre a superfície do CCD ou do ecrã do computador.

Os sistemas de reprodução fotomecânica, actualmente digitais, baseiam-se na utilização do ponto como material gráfico primário. A visibilidade do grão fotográfico compromete, frequentemente, o grau de figuração ou de maior abstracção de uma fotografia, até ao ponto de produzir importantes consequências no momento em que o espectador avalia uma imagem como mais “centrípeta” ou “centrífuga”. Uma maior presença de grão fotográfico pode ser um elemento que provoca um distanciamento do espectador, permitindo sublinhar o grau de construção artificial da própria representação fotográfica. Nalguns casos, a visibilidade do grão permite à fotografia a representação de uma textura pictórica. Noutras ocasiões, a não manifestação do grão da imagem pode relacionar-se com uma maior verosimilhança da representação fotográfica, quando se persegue um efeito de realidade na construção da imagem.

O ponto como conceito morfológico também pode estar relacionado, para lá da sua natureza plástica, com a construção compositiva da imagem, como assinala o professor Justo Villafañe (1988, 1995). Assim se fala da existência de centros de interesse numa fotografia ou de focos de atenção, que podem coincidir ou não com os pontos de fuga quando se trata de uma composição em perspectiva, ou da existência de um centro geométrico da imagem. Neste último caso, dependendo da posição do ponto no espaço da representação, a composição pode ter um maior ou menor dinamismo.

De forma geral, aceita-se que, quando o ponto coincide com o centro geométrico da imagem, deparamo-nos perante uma composição estática.

Se o ponto coincide com os eixos diagonais da imagem (geralmente quadrada ou rectangular) encontraremos uma composição na qual o ponto contribui para incrementar a força tensional.

Noutras ocasiões, o ponto não coincide nem com o centro geométrico da imagem nem com o eixos diagonais, de forma que a sua presença pode revelar-se perturbadora e simplesmente contribuir para dinamizar a imagem.

Finalmente, a existência de dois ou mais pontos pode facilitar a criação de vectores de direcção de leitura da imagem, o que multiplica a força dinâmica e tensional da composição.

Como podemos constatar, apesar de o ponto ser um elemento morfológico, trata-se de um conceito de grande importância na composição da imagem.

Linha

Morfologicamente, a linha é definida como uma sucessão de pontos que, pela sua natureza, transmite energia, é geradora de movimento. Entre as funções plásticas que ela pode desempenhar, assinalamos as seguintes, a partir da exposição do professor Justo Villafañe (1987, 1995):

  • A linha constitui um elemento formal que permite separar os diferentes planos, formas e objectos presentes numa determinada composição (recordemos que a linha de contorno é o elemento que possibilita distinguir uma figura de um fundo perceptivo – lei da figura-fundo – como assinala a teoria da gestalt).
  • A linha é um elemento chave para dotar de volume os sujeitos ou os objectos dispostos no espaço bidimensional da representação visual.
  • Quando a linha coincide com os eixos diagonais, a sua capacidade dinamizadora é mais evidente.

Por outro lado, as linhas horizontais, verticais ou oblíquas podem dotar a imagem de peculiares significações, conotando-a respectivamente de materialismo, espiritualidade ou de dinamismo.

As linhas curvas numa composição costumam transmitir movimento e dinamismo relativamente à linha recta.

Finalmente, convém salientar, como afirma Villafañe, que “a linha é um elemento plástico com força suficiente para veicular as características estruturais (forma, proporção, etc.) de qualquer objecto” (Villafañe, 1987, p 106).

Plano(s)-Espaço

De um ponto de vista morfológico, e como assinala Justo Villafañe, o “plano” pode ser entendido como “elemento bidimensional limitado por linhas e outros planos” e é um recurso idóneo “para limitar e fragmentar o espaço plástico da imagem” (Villafañe, 1987, p. 108). Quando falamos da existência de planos numa fotografia, estamo-nos a referir à presença de vários planos, dimensões ou limites numa imagem, de tal forma que lhe determinam a existência de uma profundidade espacial, pelo que a natureza do plano é profundamente espacial.

Rudolfo Arnheim afirma que os elementos que estão agrupados pela sua semelhança numa composição tendem a ser reconhecidos como similares, pelo que costumam encontrar-se no mesmo no mesmo plano (Arnheim, 1979, p.56). Graças à interacção entre o plano e a profundidade é possível construir a terceira dimensão (a profundidade) numa composição visual que, por definição, é sempre plana.

A percepção de planos numa imagem é dada por dois elementos: a sobreposiçãodas figuras do enquadramento, o que permite distinguir entre objectos e sujeitos situados mais próximo ou mais longe do ponto de observação; e pelo aspecto projectivo, quer dizer, pela sua disposição a partir de um determinado ângulo, aquele que é definido pela perspectiva. Neste sentido, não devemos esquecer que qualquer composição define um lugar a partir do qual a representação (seja esta pictórica, arquitectónica ou fotográfica) se mostra.

A construção da espacialidade (entendida como tridimensionalidade) está relacionada directamente com o fenómeno ‘gestaltiano’ de figura-fundo.

No espaço da representação, entre os diversos planos que podem aparecer numa imagem, às vezes podemos encontrar a presença de “molduras” e “janelas”, elementos muito relacionados com o fenómeno da figura-fundo e cujo aparecimento se registou no campo da pintura do Renascimento. A moldura cumpriu um papel fundamental para possibilitar uma demarcação do quadro do contexto arquitectónico que o rodeava (pensemos nos retábulos e nas pinturas das igrejas): a moldura assinalava os limites da representação, como hoje também o fazem as molduras das fotografias nas exposições fotográficas nas galerias e museus.

Falámos do(s) plano(s) como modo de fragmentação do espaço. Nestes planos, estão os restantes elementos morfológicos com os quais se interrelacionam, até um ponto em que se torna difícil dissociá-los de outros elementos (ponto, linha, textura, etc.) com os quais se configura um continuum (Arheim, 1979). A natureza estrutural do espaço conduz-nos a que seja tratado no nível seguinte de análise, o nível compositivo no qual cabe desenvolver as significações associadas ao seu tratamento representacional.

A relação figura-fundo, combinada com a bidimensionalidade da imagem, que se vê afectada pela perspectiva para gerar profundidade, pode, em certas ocasiões, provocar efeitos de trompe l’oeil como sucede nas fotografias de Duane Michals, por exemplo.

Escala

Na análise do nível morfológico considerámos conveniente incluir a escala como um parâmetro a ter em conta já que se trata de um elemento de natureza quantitativa que pode ser observado empiricamente (objectivamente). Recordemos que o nível morfológico desta proposta de análise detém-se no exame dos elementos que estariam na categoria do que tradicionalmente se denominou de “denotativo”. Alguns autores como Villafañe (1987, 1985) sublinham que a escala, juntamente com a dimensão, o formato e a proporção, configura o nível escalar da imagem. Sem menosprezar esta consideração, cremos que, por razões operativas da análise, é muito mais apropriado situá-la nesta categoria, pela sua natureza objectivável e facilidade para determinar a técnica empregada na construção da imagem. Por outro lado, trata-se de um elemento estrutural bastante simples sobre o qual se desenvolve o trabalho sobre a forma, a iluminação, o contraste e a cor da imagem, entre outros. De novo, deparamo-nos perante um conceito que tem uma natureza morfológica e de composição, para lá da de escala.

A escala refere-se ao tamanho da figura na imagem, sendo a dimensão do corpo humano no enquadramento o princípio organizador das diferentes opções que podemos considerar. Deste modo, é possível distinguir:

  • Grande plano
  • Plano médio
  • Plano americano
  • Plano inteiro
  • Plano geral
  • Plano de detalhe
  • Plano de conjunto
  • etc.

Trata-se de uma terminologia geralmente utilizada no campo da análise e da produção cinematográfica e televisiva, embora a sua utilização no contexto da análise fotográfica seja perfeitamente aplicável. A utilização de cada um destes tipos de tamanho do sujeito fotografado produz uma determinada significação, dependendo do contexto visual. Geralmente, quanto mais próximo está o objecto ou o sujeito fotografado daquele que o observa, maior é o grau de aproximação emotiva ou intelectual do espectador perante o motivo da imagem, de tal modo que uma escala reduzida (um muito grande plano ou um grande plano) costuma favorecer a identificação do leitor; pelo contrário, quanto mais geral é a escala do motivo fotográfico, maior costuma ser o seu distanciamento. Novamente podemos reconhecer que, apesar de nos encontrarmos no âmbito de um suposto domínio objectivo (porque quantitativo) do nível morfológico da análise, não é possível dissociá-lo do universo de significações, cuja natureza é, em grande medida, projectiva e, portanto, bastante subjectiva.

Forma

Arnheim assinala que o processo perceptivo inicia-se com a “apreensão dos traços estruturais salientes” (1979, p. 60). Precisamente, a forma constitui o aspecto visual e sensível de um objecto ou da sua representação. O professor Villafañe afirma que a “forma” se refere “ao conjunto de características que se modificam quando o objecto visual muda de posição, orientação ou, simplesmente, de contexto”. Este estudioso distingue entre “forma” e “estrutura” ou “forma estrutural”, esta última definida como “as características imutáveis e permanentes dos objectos, sobre as quais repousa a sua identidade visual” (Villafañe, 1987, p. 126). É esta última definição que nos interessa especialmente: a que proclama o valor estrutural da forma como factor responsável da identidade visual dos objectos que podemos encontrar ou reconhecer no espaço da representação.

Cabe destacar que, como nos ensinou a psicologia da percepção gestaltiana, o mecanismo da visão não opera, de forma nenhuma, a partir do particular para o geral, mas ao contrário: é o sujeito de percepção que projecta sobre a representação o reconhecimento das suas formas dominantes. A lei da experiência ou lei da forma completa formuladas pela Gestalt (que significa precisamente, “forma” ou “estrutura” com esse duplo e ambivalente valor semântico) sublinham a existência deste fenómeno. Deste modo, tendemos a reconhecer com maior facilidade (o que constitui um acto de projecção, activo, do observador) as formas geométricas simples: o círculo, o quadrado ou o triângulo poderiam ser considerados como as formas mais elementares. Deste modo, o receptor tenderia a organizar estruturalmente a composição interna do enquadramento através do reconhecimento destas formas simples. Por vezes, um motivo ou objecto fotográfico pode remeter para uma forma de ponto pelo seu carácter circular ou redondo.

Na determinação das formas presentes numa composição desempenham um papel decisivo o contraste tonal (mediante o jogo de gamas tonais de cinzento), a cor e a linha (em especial a linha de contorno que permite a discriminação de figuras sobre o fundo perceptivo). Outros recursos empregados para a distinção de formas na imagem seriam a projecção (a perspectiva) e a sobreposição, duas modalidades de esboço nas palavras de Arnheim.

Quando o enquadramento apresenta uma grande complexidade de formas, afastadas das geometrias elementares, tende-se a perceber a imagem como carente de organização interna, até ao ponto de poder ser interpretada como mero “ruído informativo” ou pura entropia, sem qualquer ordem. Em certos casos, a utilização de formas complexas, inclusivamente aberrantes, pode apresentar efeitos discursivos de interesse na sua significação.

Em definitivo, e como afirma Gombrich, “quanto maior importância biológica tenha para nós um objecto, mais sintonizados estaremos para reconhecê-lo, e mais tolerantes serão os nossos critérios de correspondência formal”, uma maneira de sublinhar a relevância do espectador no reconhecimento de formas e de estruturas, para lá da sua suposta existência objectiva no espaço representado.

Textura

A textura é um elemento que possui, simultaneamente, qualidades ópticas e tácteis. Este último aspecto é o mais saliente, já que a textura é um elemento visual que sensibiliza e caracteriza materialmente as superfícies dos objectos ou dos sujeitos fotografados.

Por vezes, o grão de uma imagem fotográfica pode ser simultaneamente forma, textura e cor, como sucede com o tipo de pincelada empregada no campo da pintura. Com as técnicas de tratamento digital podem imitar-se as texturas da imagem pictórica, com a utilização dos numerosos filtros que oferece o programa Photoshop da Adobe, um dos mais difundidos do mercado. Muitas vezes, a utilização de filtros digitais constitui um recurso que permite disfarçar a escassa qualidade da fotografia ou simplesmente possibilita construir imagens singulares que apresentam impacto ou chocam o espectador (técnicas que, com os procedimentos fotoquímicos de laboratório, seriam quase impossíveis de concretizar, pela sua extraordinária dificuldade).

Na fotografia fotoquímica, a textura é determinada sobretudo pelo tipo de emulsão fotográfica empregada. Quanto menos sensível (mais lenta) é a película, menos visível será o grão fotográfico e a resolução da imagem será muito maior. Pelo contrário, quanto mais sensível (mais rápida) for a emulsão fotográfica, menor será a resolução da imagem e mais visível será o grão fotográfico. A visibilidade do grão pode ser determinada pelo tipo de revelador utilizado no processo de obtenção da imagem, ou pela utilização de técnicas digitais de revelação, positivação ou de tratamento digital. A maior visibilidade do grão pode ser um factor que compromete a nitidez da imagem, até um ponto em que a imagem careça de profundidade espacial e pareça absolutamente plana.

Finalmente, cabe destacar que a textura é um elemento chave para a construção de superfícies e de planos (Villafañe, 1987, p. 110). Arnheim afirma que se trata de um elemento ao serviço da criação de profundidade na imagem, da qual depende a sua tridimensionalidade e onde a iluminação joga um papel essencial, como veremos.

Nitidez da imagem

Embora este parâmetro não possa ser considerado como um elemento morfológico da imagem, consideramos necessário relacioná-lo com conceitos deste nível. Sem dúvida, a nitidez ou opacidade de uma imagem é um recurso expressivo dotado de uma dimensão objectiva que, por vezes, pode abarcar uma variedade notável de significações, especialmente quando se combina com a utilização de outros recursos. Talvez devesse ser relacionado com a “aspectualização” ou articulação do ponto de vista, com o qual mantém uma estreita relação. Porém, na medida em que se trata de um elemento quantificável em termos objectivos, cremos que merece ser tratado de uma forma diferenciada nesta fase da análise fotográfica.

Vimos como a nitidez da imagem está estreitamente vinculada ao trabalho sobre o grão (ou o pixel) fotográfico, quer dizer, ao conceito de textura. O controlo da focagem é uma técnica que permite destacar uma figura sobre o fundo da imagem. Por outro lado, a falta de nitidez da imagem pode produzir consequências notáveis na transmissão de uma determinada ideia de dinamismo ou de temporalidade da fotografia. A ausência de nitidez de uma imagem pode dever-se à utilização de filtros que lhe proporcionam um ‘flou’, um borrão, que põe em cheque a verosimilhança da representação, inclusivamente dotando-a de um certo onirismo. Noutros casos, uma falta de nitidez pode dotar a fotografia de um tratamento pictorialista, muito frequente nos fotógrafos dos primeiros tempos da história da fotografia (Julia Margaret Cameron, Oscar Gustav Rejlander, Henry Peach Robinson, Gustave Le Gray, etc.) que com ele pretendiam atribuir à fotografia um estatuto artístico.

Definitivamente, a nitidez da imagem pode ser um item a tratar no âmbito deste nível de análise fotográfica, apesar de muitas vezes não merecer um comentário extenso.

Iluminaçao

A luz é talvez o elemento morfológico mais importante a salientar no estudo da imagem. É a matéria com a qual ela se constrói. Não é em vão que a fotografia é, como nos indica a etimologia do termo, uma “escrita da luz”. Rudolf Arnheim considera este elemento como condição de possibilidade da própria imagem, já que é geradora de espaço, e também de tempo, acrescentaríamos nós, porque, de outra forma, como se poderia interpretar a temporalidade latente de uma fotografia? (Arnheim, 1979, p. 335). A percepção das formas, texturas ou côres só pode fazer-se graças à existência da luz. Porém, a utilização da luz também pode ter uma infinidade de usos e de significações de grande transcendência, com um valor expressivo, simbólico, metafórico, etc.. No campo da fotografia, vamos empregar o termo “iluminação” para nos referirmos à utilização da luz na construção da imagem fotográfica.

Se atendermos à qualidade da luz, podemos distinguir entre:

  • Iluminação natural e iluminação artificial (através do uso de flashes ou de iluminação contínua).
  • Iluminação dura (forte contraste de luzes, com presença de tons brancos e negros intensos) ou iluminação suave (iluminação difusa, com uma pobre graduação tonal).
  • Iluminação de alta intensidade (predomínio de luzes intensas), iluminação de baixa intensidade (predomínio das sombras) ou o que poderia denominar-se de “iluminação clássica ou normativa”.

Em fotografia, a iluminação natural costuma ser complementada com a utilização de reflectores e outros elementos que permitem melhorar a visibilidade do objecto ou sujeito fotográfico. Dependendo da natureza da fotografia a realizar, segundo o contexto e o género fotográfico, é menos frequente o uso de iluminação artificial como sucede na fotografia de reportagem social (vejam-se as fotografias da Farm Security Administration ou a série Americans de Robert Frank) ou o fotojornalismo, em que o uso do flash pode quebrar a espontaneidade ou a instantaneidade que se deseja conseguir (embora existam numerosas excepções, como no caso de Weegee).

Segundo a direcção da luz, podemos falar de:

  • Iluminação zenital
  • Iluminação a partir de cima
  • Iluminação lateral
  • Iluminação a partir de baixo
  • Iluminação nadir (oposta à zenital)
  • Contraluz
  • Iluminação equilibrada ou clássica
  • etc.

A iluminação também é um elemento fundamental para definir estilos fotográficos como o expressionismo, o realismo, o pictorialismo, etc.

Em resumo: a iluminação, ou a luz, de uma forma genérica, é fundamental para definir a morfologia do texto visual.

Tonalidade / P/B-Cor

A cor é um elemento morfológico que possui uma natureza muito difícil de definir, como salienta Villafañe (1987, 111). Por um lado, pode falar-se da natureza objectiva da cor, o que nos possibilita distinguir três parâmetros:

  • o tom / tonalidade ou matiz da cor: permite distinguir as cores entre si, já que cada cor corresponde a um determinado comprimento de onda.
  • a saturação: relaciona-se com a sensação de maior ou menor intensidade de cor, o seu grau de pureza. A saturação de uma cor é determinada por essa cor.
  • o brilho da cor: refere-se à quantidade de branco que tem uma cor, à sua luminosidade, um parâmetro que na realidade não é de natureza cromática, mas de luminância. As cores mais brilhantes seriam, por ordem, o amarelo, o cião, o magenta, o verde, o vermelho e o azul (esta é a ordem do sinal de barras de uma câmara profissional de vídeo, segundo a adopção de standards aceites internacionalmente). Se o brilho ou a luminosidade é excessivo, as cores ficam demasiado embranquecidas até ao ponto de quase ficarem imperceptíveis. Se, pelo contrário, o brilho é baixo, é patente a perda de cor até quase se desvanecer completamente. Estes aspectos são facilmente corrigíveis com a utilização de dispositivos de correcção de base de tempos (TBC) em Vídeo ou de programas de tratamento fotográfico como o já citado Adobe Photoshop.

Por outro lado, cabe recordar que as fontes de luz na produção de qualquer fotografia, desde a iluminação natural (com situações que vão de um céu nublado a um dia solarengo ou à luz peculiar do entardecer), à luz de flash, de tungsténio ou à luz de umas velas, possuem propriedades cromáticas relacionadas com a temperatura de cor. Quanto mais baixa é a temperatura de cor da fonte de luz, mais amarela será a fotografia obtida (o que sucede com a luz de uma vela, a luz de tungsténio, a luz de quartzo). Pelo contrário, quanto mais alta for esta temperatura da fonte de luz, mais azulada será a dominante cromática da imagem (a luz de um dia solarengo carece de uma dominante cromática, mas um céu nublado pode provocar a emergência de uma forte dominante azulada).

Estas dominantes podem corrigir-se mediante o uso de filtros especiais, a eleição de emulsões fotográficas adaptadas a cada tipo de luz (luz-dia ou luz de tungsténio) ou através de procedimentos digitais de correcção de cor (o equivalente no cinema ao que se conhece como etalonaje, um processo de equilíbrio de luzes e de cores com o objectivo de gerir o raccord ou a correspondência entre planos, que corrige as temperaturas de cor para harmonizar o cromatismo dos diferentes planos). Mediante técnicas complexas de laboratório ou simples programas informáticos, é possível modificar a cor de uma fotografia, desde a sua eliminação, à modificação de tons e saturação das cores ou à introdução de partes coloridas, virados de imagem e outras técnicas complexas como a posterização (separação de tons) ou a solarização (processo de inversão) em cor.

Todavia, a cor oferece um amplo leque de significações graças às suas propriedades subjectivas. Por isso se fala das propriedades térmicas da cor, das suas propriedades sinestésicas (associadas ao som e à música – não é por caso que se fala de escalas cromáticas – ), do seu dinamismo, etc..

O professor Justo Villafañe (1987, p. 118) define, acertadamente, uma série de funções plásticas da cor:

  • A cor, juntamente com a forma, é responsável, em grande medida, pela identidade objectal, servindo para nos possibilitar reconhecer referencialmente os objectos representados, se bem que não seja tão decisiva como a forma, de um ponto de vista morfológico.
  • A cor contribui para criar o espaço plástico da representação. De acordo com o modo de emprego da cor, encontrar-nos-emos perante uma representação plana ou uma representação com profundidade espacial, podendo contribuir para a definição de diferentes termos ou planos numa imagem ainda que não exista uma composição com perspectiva.
  • O contraste cromático é um recurso que contribui para dotar de dinamismo a composição que adquire, deste modo, uma grande força expressiva. Por vezes, o uso do contraste na cor pode ser um recurso para espectacularizar uma encenação fotográfica, ao ser uma técnica que permite estimular sensorialmente e chamar a atenção do espectador.
  • A cor também possui notáveis qualidades térmicas. Como assinalou Kandinsky, as cores quentes (entre o verde e o amarelo) produzem uma sensação de aproximação ao espectador, favorecendo a aparição de processos de identificação, quer dizer, definem um movimento centrípeto da acção de observação. As cores frias (entre o verde e o azul) produzem uma sensação de afastamento do espectador, favorecendo a aparição de processos de distanciamento relativamente à representação, determinando um movimento centrífugo no processo de observação.
  • Finalmente, podemos acrescentar que a cor também pode qualificar temporalmente uma representação. Os virados sépia estão associados à antiguidade da fotografia, já que é a dominante cromática de numerosos calótipos (Talbot) e daguerreótipos (Daguerre), devido às particularidades dos processos químicos empregados. As qualidades das emulsões fotográficas têm mudado ao longo da história da fotografia, sendo possível identificar determinados tipos de cromatismo associados a diferentes períodos da história da fotografia ou a estilos fotográficos.

A utilização do preto e branco definir-se-ia objectivamente como ausência de cor (o preto e o branco não são cores, como sabemos). Com a fotografia digital esta particularidade tornou-se mais evidente, já que basta suprimir a cor numa imagem para obter uma fotografia a preto e branco sem necessidade de empregar uma emulsão fotoquímica específica.

É necessário sublinhar que a utilização do preto e branco é uma opção discursiva carregada de significações e que em nenhum caso deve interpretar-se o uso do preto e branco como uma ausência de cor. Se é certo que o grau de figuração de uma imagem diminui com o emprego do preto e branco, quer dizer, nós deparamo-nos perante uma fotografia mais reconhecível como representação para o espectador, o uso do preto e branco dota a fotografia de uma forte expressividade que explica a razão de numeros fotógrafos de imprensa continuarem a usar este tipo de película ou técnica fotográfica, como ocorre por exemplo com Salgado. Assim, a utilização do preto e branco oferece um leque de possibilidades mais amplo do que inicialmente poderia parecer, já que, dependendo da emulsão escolhida ou do tipo de revelador que se empregue, pode apresentar uma dominante azulada, fria, ou amarelada, quente, o que suscita consequências na sua recepção, como qualidade que suscita, respectivamente, o distanciamento ou a identificação do espectador relativamente ao acontecimento ou sujeito representado.

Deste modo, para além de se reconhecer que a cor é um parâmetro morfológico chave na construção do espaço de representação, ela também possui uma dimensão temporal, mais ou menos visível. É este o argumento que contribui para esfumar as fronteiras artificiais entre os níveis morfológico e compositivo da imagem.

Reiteramos, pois, a necessidade de contemplar a presente proposta analítica em termos operativos.

Contraste

Na realidade, este item, não pode ser dissociado do anterior, relativo ao estudo da luz e da iluminação ou do seguinte, centrado nos conceitos de tonalidade e cor, com os quais está relacionado muito estreitamente. Se o distinguimos é porque se trata de um elemento que frequentemente merece ser tratado explicitamente na análise do nível morfológico.

O contraste do sujeito ou motivo fotográfico corresponde à diferença de níveis de iluminação reflectida (luminância) entre as sombras e as luzes altas. Trata-se de um conceito que pode ser aplicado indistintamente à fotografia a preto e branco ou à fotografia a cores, seja esta analógica ou digital. A gama tonal de cinzentos que aparece numa imagem pode ser mais ou menos rica. Uma gama tonal de cinzentos ampla é uma opção discursiva que nos aproxima ao realismo da representação, e está relacionada com a utilização de emulsões fotográficas de sensibilidade média ou baixa. Pelo contrário, um forte contraste da imagem pode expressar a ideia de conflito, um determinado estado interior do sujeito fotografado ou uma série de qualidades sobre o espaço e o tempo fotográficos.

Por outro lado, seguindo a terminologia proposta por Ansel Adams a propósito do seu sistema de zonas, a gama de tons cinzentos reproduzida pode estar na parte baixa da escala, com um predomínio das sombras (zonas 0 a VI) o que corresponderia a uma iluminação de baixa intensidade, ou na parte alta da escala (zonas IV a IX), a uma iluminação de intensidade alta, com as suas significações concretas, dependendo dos casos.

Por outro lado, o contraste, como veremos a seguir, também pode aplicar-se à cor. Deste modo, diz-se que as cores complementares apresentam um contraste maior, nas combinações azul-amarelo, vermelho – cião e verde- magenta. O contaste na cor também pode proporcionar um amplo leque de significações e ser útil para determinar o estilo fotográfico da imagem que analisamos, como sucede com muitas fotografias de Pete Turner e a sua afinidade estética com a pop-art enquanto movimento artístico.

Outros

Caberia neste item a inclusão de comentários sobre a possibilidade de uma fotografia incorporar inscrições de textos, palavras, frases ou elementos verbais que pode realizar-se em duas dimensões diferentes: como componente objectal, fruto da presença de marcas, calendários, cartas, anúncios luminosos, etc., ou como componente conceptual relativamente à expressão directa de uma palavra ou frase sub ou sobreposta. Para além disso, a legenda, como título, pode ter sido deliberadamente inscrita pelo autor empírico nalgum lugar do texto fotográfico (Duane Michals é um exemplo muito oportuno).

Este espaço também fica reservado para a inclusão de outros conceitos que podem estar relacionados com o nível morfológico da análise da fotografia. Fica aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem.


2.3 Reflexão Geral

No final do exame dos diferentes conceitos associados à análise morfológica da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes.

O conjunto dos aspectos tratados possibilita-nos determinar se a imagem que analisamos é figurativa/abstracta, simples/complexa, monosémica/polisémica, original/redundante, etc.

Apesar de termos examinado o nível morfológico, centrado especialmente no exame dos elementos expressivos mais ou menos objectiváveis, não devemos perder de vista que o seu estudo não pode estar isento de uma carga valorativa. Neste sentido, convém recordar que, como afirma Arnheim ou Gombrich, “ver é compreender” o que remete para a natureza subjectiva da actividade analítica.