Metodologia | Nível compositivo

O nosso modelo de análise continua, em terceiro lugar, com o estudo do nível compositivo. Seguindo com a metáfora da linguagem, trata-se agora de examinar como se relacionam os elementos anteriores a partir de um ponto de vista sintáctico, configurando uma estrutura interna na imagem.

Esta estrutura tem para nós um valor estritamente operativo, não ontológico, já que não se trata de algo que se encontra oculto na superfície do texto. Por razões de economia na análise, optámos por incluir neste nível os chamados elementos escalares (perspectiva, profundidade, proporção) e os elementos dinâmicos (tensão, ritmo), que, ainda que possuam uma clara natureza quantitativa (os primeiros) e temporal (os segundos), como sublinhou com pertinência Justo Villafañe (1988), produzem efeitos consideráveis naquilo que se conhece como composição plástica da imagem.

Por outro lado, neste nível analisa-se também, de forma monográfica, a maneira como se articulam o espaço e o tempo da representação, duas variáveis ontologicamente indissociáveis que, por razões operativas, são examinadas de forma independente. A reflexão sobre estes aspectos especiais e temporais do texto fotográfico passa pelo exame de questões muito concretas, desde as variáveis físicas do espaço e do tempo fotográficos, até outras mais abstractas como a “habitabilidade” do espaço ou a temporalidade subjectiva que constrói a imagem.


3.1 Sistema sintactico ou compositivo

Como nos recorda Villafañe, é necessário estabelecer um conjunto de precisões relativamente à natureza da composição (Villafañe, 1987, p. 177 e ss.):

  • “Os objectivos da composição plástica e os factores que a regem são independentes do grau de iconocidade da imagem” (p. 178), quer dizer, pode falar-se da existência de uma série de normas ou princípios compositivos que regem a simplicidade compositiva, independentemente do grau de figuração ou de abstracção da referida composição.
  • Como nos ensinou a Gestalt e a fisiologia da percepção, o sistema perceptivo humano determina alguns aspectos da percepção da ordem visual numa imagem, como acontece na apreensão da profundidade numa fotografia.
  • A simplicidade não é um obstáculo para que uma imagem seja complexa, como sucede com numerosas composições simétricas e regulares. A complexidade é dada pela “diversidade de relações plásticas que os elementos da imagem podem criar” (p. 179).
  • Os elementos icónicos de uma composição não podem ser ordenados a partir de uma escala de valor, já que a distribuição de importâncias não se sobrepõe à ordem icónica ou às direcções de leitura da imagem. Assim, não é possível que estes elementos icónicos tenham valores estáveis de significação, já que sempre dependerão das suas interelações plásticas e de numerosos factores contextuais (pp. 180-181).
  • Todos os elementos icónicos têm a mesma influência plástica (p.180), ainda que tal não signifique que em cada imagem possamos reconhecer uma maior ou menor importância de cada um destes factores compositivos. É fundamental constatar que numa composição não se elimina nenhum elemento sem que o significado da imagem se altere, por muito pouco relevante que tal modificação possa parecer. Por isso, é muito importante adoptar uma visão holista, globalizante, no estudo dos elementos compositivos.

Perspectiva

Na criação da perspectiva joga um papel fundamental a interacção das linhas de composição e a ausência de “constância” na percepção das formas (Arnheim, 1979, p. 86). As formas rectangulares, por exemplo, são percebidas como oblíquas que, seguindo as variações de tamanho, vão-se posicionando nas linhas de fuga da perspectiva representada.

Na realidade estes objectos que aparecem em perspectiva estão deformados, como, por exemplo quando se emprega uma grande angular, cujo efeito é o de distorcer os objectos visuais que aparecem obliquamente e com uma volumetria alterada. Sem dúvida, as gradações perceptivas são responsáveis pela construção do espaço tridimensional. Estas gradações seriam definidas como o “crescimento ou diminuição progressiva de alguma qualidade perceptiva no espaço e no tempo” (Arnheim, 1979, p. 204).

A obtenção da profundidade de campo, na fotografia e no cinema, consegue-se através da utilização de grandes angulares e diafragmas muito fechados. É paradigmática a utilização desta última técnica pelo grupo do f: 64 representado por fotógrafos como Ansel Adams y Edward Weston, entre outros. O emprego de teleobjectivas costuma produzir o efeito inverso: a total ausência de profundidade de campo.

Para terminar, devemos fazer referência, muito brevemente, à importância da perspectiva artificialis como sistema de representação nascido no Renascimento e que significa a emancipação do olhar do Homem relativamente ao sistema de representação religioso. Conforme tem sido estudado com grande profundidade por Erwin Panofsky, a construção da perspectiva artificialis supõe, antes de mais, um modo de representação em que o sujeito humano se converte no centro da dita representação e, pela primeira vez, se define um interior e um exterior da representação pictória onde habita o espectador. Esta referência, ainda que simplificadora pela sua extrema brevidade, é pertinente na medida em que a fotografia e o cinema são herdeiros deste sistema de representação.

Finalmente, devemos reiterar a natureza estrutural do espaço no qual se inscrevem os restantes elementos morfológicos e a própria estrutura compositiva da imagem. É por isso que consideramos conveniente distinguir uma secção que denominámos por “o espaço da representação” e que colocámos no âmbito do nível compositivo do nosso modelo de análise, precisamente pela sua natureza estrutural, como correspondente ao sistema compositivo ou sintáctico (interelacional) da construção da imagem.

Ritmo

Como assinala o professor Villafañe, o ritmo é um elemento dinâmico, cuja natureza deve relacionar-se com a experiência da temporalidade na percepção de uma imagem. É precisamente este valor relacional entre elementos que nos leva a incluir este conceito neste nível da composição, já que o ritmo constitui um parâmetro estrutural.

Villafañe sugere-nos que é conveniente distinguir entre cadência e ritmo. A cadência refere-se à repetição de elementos como pontos, linhas, formas ou cores, o que dotaria a imagem de regularidade e de simetria. Não obstante este facto, a regularidade e a simetria são opções de composição que retiram acção e dinamismo à imagem. O ritmo de uma composição, pelo contrário é uma noção de maior dimensão: refere-se a uma conceptualização estrutural da imagem, na qual a ideia de repetição é essencial.

Para Villafañe (1987, p. 154), em todo o ritmo visual existem dois componentes: por um lado, a periodicidade, o que implica a repetição de elementos ou grupos de elementos e, por outro, a estruturação que poderia entender-se como o modo de organização dessas estruturas repetidas na composição.

Neste caso, quando se dá uma repetição de unidades relacionadas entre si pela sua forma ou significado fala-se da presença de isotopias.

Sem dúvida, que nos deparamos perante um conceito difícil de definir, habitualmente utilizado no campo da música. Da mesma maneira que numa composição musical os silêncios são elementos decisivos para definir o ritmo de uma melodia, numa composição visual os espaços vazios ou de interstício são fundamentais para permitir a existência de uma estrutura fílmica.

Tensão

Em si, a tensão é outra variável da imagem fotográfica. Pode aparecer em composições que apresentam um claro equilíbrio que, neste caso, será de natureza dinâmica, o chamado equilíbrio dinâmico. Entre os factores plásticos que podem contribuir para criar uma tensão visual, podemos destacar os seguintes:

  • As linhas podem, nalguns casos, serem decisivas para dotar de tensão a composição, quando estas expressam movimento. Na fotografia, o varrimento fotográfico ou a captação de sujeitos em movimento com uma baixa velocidade de obturação são técnicas que se servem da utilização da linha como elemento dinâmico que imprime tensão na imagem. Na banda desenhada, fala-se da presença de linhas cinéticas.
  • As formas geométricas regulares, como o triângulo, o círculo ou o quadrado são menos dinâmicas que as formas irregulares. Quanto mais diferirem das formas simples, maior tensão introduzirão na composição. Não obstante este facto, é preciso lembrar que o triângulo é uma forma dotada de maior tensão e dinamismo que o círculo ou o quadrado, derivado aos ângulos que o definem.
  • A representação dos elementos em perspectiva ou a presença de orientações oblíquas no modo de organizar os elementos no interior do enquadramento contribui para transmitir tensão ao espectador.
  • O contraste de luzes ou o contraste cromático também é responsável pela criação de tensão de composição.
  • A presença de diferentes texturas, de fortes diferenças de nitidez nos diferentes termos ou planos da imagem, etc., contribuem para criar uma composição dotada de tensão.
  • Finalmente, a fractura das proporções do sujeito ou do objecto fotografado também é um factor que introduz uma forte tensão na composição, como veremos de seguida.

Proporçao

Como afirma o professor Villafañe, a proporção “é a relação quantitativa entre um objecto e as suas partes constitutivas e as partes desse objecto entre si” (1987, p. 160). Embora a sua natureza seja quantitativa e, nesse sentido, possui uma dimensão escalar, a proporção é um parâmetro que merece ser tratado entre os conceitos de composição pela sua importância. Geralmente, fala-se de proporção quando se faz referência aos modos de representar a figura humana no espaço da composição. Desde o Renascimento, que recupera o pensamento grego pitagórico, se tem falado das medidas do corpo humano na sua relação com as partes constitutivas. A “secção áurea”, “proporção divina” ou “número de ouro” permite estabelecer, deste modo, uma medida numérica (a letra ? ) que corresponde a um tipo de proporção observada na natureza. De qualquer forma, convém sublinhar que os modos de representação do corpo na pintura e, por extensão, na fotografia (em cuja tradição de representação se fundamenta) seguiu este modelo, que está fortemente arreigado no imaginário colectivo e na configuração do gosto estético convencional.

Na fotografia, a utilização da grande angular tem como efeito secundário, para além de acentuar a perspectiva, a deformação das proporções do sujeito fotografado, como sucede com algumas fotografias de Bill Brandt ou de JeanLoup Sieff. Em certas ocasiões, a ruptura das proporções do sujeito fotografado é um elemento sobre o qual assenta uma estética da fealdade, muito habitual em fotógrafos como Witkin.

Finalmente, cabe destacar que a proporção é um conceito compositivo que também alude à relação sujeito/objecto representado e ao próprio espaço da representação. As dimensões quantitativas do motivo fotográfico também apresentam uma proporcionalidade como as dimensões da moldura da imagem. Assim, deve-se também ter em conta a proporção que se estabelece entre os lados de uma fotografia, o famoso “ratio” da imagem, muitas vezes determinado pelo formato fotográfico empregado, como sucede com o formato rectangular do standard universal ou o formato quadrado, muito utilizado por Robert Mapplethorpe. A representação vertical ou horizontal do motivo fotográfico apoia-se, frequentemente, na proporcionalidade que se produz entre as dimensões e forma do motivo e a própria moldura, como sucede nos formatos rectangulares (35 mm – 24×36 mm, ratio 1:1.5 -, grandes formatos fotográficos – 9×12 cm, ratio 1 :1,33 -). Os formatos de cópias positivas fotográficas como o 13×18 cm, 18×24 cm, 24×30 cm ou 30×40 cm, exprimem ratios respectivamente de 1:1.33, 1:1.33;1:1.25 e 1:1.33.

Desta forma, quando se produz um trompe l’oeil, pode gerar-se uma modificação das proporções que só se descortina mediante a subtileza da observação.

Distribuição de pesos visuais

Os diversos elementos visuais contidos numa imagem têm um peso variável no espaço da composição, até esta apresentar uma determinada distribuição de pesos visuais que são determinantes na actividade e no dinamismo plástico desses elementos (Villafañe, 1987, p. 188). Apesar deste facto, consideramos, na linha de Arnheim, que é muito difícil senão impossível dissociar as significações plásticas do nível de significações semânticas ou interpretações que a análise de qualquer imagem suscita, às quais não pode ser alheio o universo de experiências prévias do próprio observador e o seu grau de competência de leitura, para nos expressarmos em termos semióticos. Alguns dos factores que determinam a distribuição de pesos numa imagem seriam os seguintes, tendo por base a pertinente exposição de Villafañe (pp.188 e ss.):

  • A localização no interior do enquadramento é uma circunstância que pode aumentar ou diminuir o peso de um elemento de uma composição. Uma localização ao centro contribui para tornar mais simétrica uma composição. De uma forma geral, aceita-se que um elemento apresenta maior peso quanto mais se situar na parte superior direita de um enquadramento. Este facto é determinado pela tradição icónica ocidental e é de natureza profundamente cultural.
  • O tamanho maior de um elemento visual é determinante no momento de ganhar peso no enquadramento. Um elemento visual de grande tamanho pode ser compensado em termos de composição com a presença de uma série de elementos visuais mais pequenos.
  • Os elementos visuais situados em perspectiva, se bem que possuam um tamanho menor, ganham peso visual, dependendo da sua nitidez.
  • A claridade visual no isolamento de um elemento afecta especialmente o aumento do seu peso visual (determinado pela nitidez das linhas de contorno do referido objecto, do contraste, da forma, da cor, etc.), dependendo também da sua localização no interior do enquadramento, como já anteriormente referimos.
  • O tratamento superficial dos objectos visuais, a sua textura parente perante um acabamento brilhante também é determinante no aumento do peso de um elemento visual no enquadramento.

Lei dos terços

A maior ou menor importância do centro de interesse de um objecto visual no interior do enquadramento está intimamente ligada ao peso que tenha na composição, em relação com outros elementos visuais. Se o dito centro de interesse coincide com o centro geométrico da imagem, o seu peso será menor do que se estiver localizado em zonas mais afastadas.

Como afirmam Villafañe e Arnheim, o centro geométrico ou foco de atenção é uma zona débil em termos de atracção visual. Por outro lado, se o dito elemento visual está escorado excessivamente próximo dos lados ou limites do enquadramento, isto pode criar fortes desequilíbrios na imagem. A força visual de um elemento plástico será mais intensa quando este esteja situado em alguns dos pontos de intersecção das chamadas linhas de terços. É precisamente este princípio que se expressa na conhecida lei dos terços. Na realidade, a formulação da lei dos terços está directamente relacionada com a teoria da secção áurea ou número de ouro, que encerra uma certa complexidade no seu cálculo exacto. De modo geral, certamente um pouco impreciso, diremos que a obtenção destas linhas de terços se consegue ao dividir a imagem em três partes iguais, horizontal e verticalmente, tomando como referência os limites horizontal e vertical do próprio moldura da fotografia.

Os pontos de intersecção destas linhas horizontais e verticais são quatro: quando os objectos ou elementos visuais coincidem com estes quatro pontos, o objecto adquire uma maior força e peso visual. No momento de situar no enquadramento a linha do horizonte, por exemplo numa fotografia de paisagem, geralmente coincide com alguma das duas linhas de terços da composição, o que pode comprovar-se num grande número de fotografias. A maioria de fotógrafos ignora a existência deste princípio compositivo, cuja aplicação é condicionada, sem dúvida, pela influência da tradição de representação ocidental.

Ordem icónica

Os conceitos de equilíbrio e de ordem icónica são determinados, desse modo, pelo peso do modelo de representação ocidental que se inicia no Renascimento, com a aparição da perspectiva artificialis. Equilíbrio e ordem são dois conceitos próximos, como nos recorda Gombrich, e contam com uma larga tradição na história da cultura ocidental, determinando poderosamente o olhar do espectador.

O conceito de ordem icónica é um parâmetro que afecta os elementos morfológicos e compositivos. Como afirma Villafañe, a ordem visual “manifesta-se através das estruturas icónicas e da articulação destas”. Com efeito, trata-se de um conceito nuclear “sobre o qual se baseia a composição da imagem” (Villafañe, 1987, pp. 165-166).

O professor Villafañe distingue, de forma acertada, a existência de dois tipos básicos de equilíbrio compositivo (Villafañe, 1987, p. 181):

  • Por um lado, o equilíbrio estático, caracterizado pela utilização de três técnicas: a simetria, a repetição de elementos ou séries de elementos visuais e a modulação do espaço em unidades regulares. Estas duas últimas técnicas estariam muito relacionadas com o ritmo compositivo, como conceito estrutural.
  • Por outro, seguindo a terminologia de Arnheim, o equilíbrio dinâmico, cujo resultado é a permanência e invariabilidade da composição, baseada no seguinte: o modo como está hierarquizado o espaço plástico, a diversidade de elementos e relações de natureza plástica, e o contraste luminoso e cromático.

Dondis (1976, pp. 130-147) enumera uma série de situações compositivas que oscilam entre aplicações extremas no campo do desenho, a qual poderia estender-se sem dificuldade ao campo da fotografia:

  • Equilíbrio-Desequilíbrio. A quebra do equilíbrio pode dar lugar à aparição de composições provocadoras e inquietantes para o espectador.
  • Simetria-Assimetria. A simetria define-se como equilíbrio axial. A ruptura da simetria oferece um elenco muito variado de possibilidades.
  • Regularidade-Irregularidade. Uma composição baseada na regularidade serve-se da utilização de uma uniformidade de elementos.
  • Simplicidade-Complexidade. A ordem icónica baseia-se na simplicidade compositiva, com uma utilização de elementos simples.
  • Unidade-Fragmentação. Uma composição baseada na unidade propõe a percepção dos elementos empregues enquanto totalidade.
  • Economia-Profusão. A economia compositiva serve-se de um número limitado de elementos.
  • Escassez-Exagero. A escassez baseia-se numa proposta compositiva em que com o mínimo material visual se consegue uma resposta máxima do espectador.
  • Previsibilidade-Espontaneidade. A previsibilidade compositiva refere-se à facilidade do receptor para antecipar, quase instantaneamente, como será a mensagem visual.
  • Actividade-Passividade. A actividade consiste na representação de movimento e dinamismo.
  • Subtileza-Audácia. Uma composição baseada na subtileza foge ao óbvio e persegue a delicadeza e refinamento dos materiais plásticos empregues.
  • Neutralidade-Ênfase. Uma composição neutral procura vencer a resistência do observador, através da utilização de elementos plásticos muito simples.
  • Transparência-Opacidade. Trata-se de composições nas quais o observador pode perceber sem dificuldade elementos visuais dissimulados no fundo perceptivo, semi-ocultos por outros localizados no primeiro plano da imagem.
  • Coerência-Variação. A coerência compositiva baseia-se na compatibilidade formal dos elementos plásticos empregues na composição.
  • Realismo-distorção. Este par define o grau de distorção do motivo fotográfico.
  • Superfície-Profundidade. Baseia-se na ausência ou utilização da composição em perspectiva.
  • Singularidade-Justaposição. Quando a composição se baseia na utilização de um tema isolado.
  • Sequencialidade-Aleatoriedade. Uma composição sequencial apoia-se na utilização de uma série de elementos visuais dispostos segundo um esquema rítmico.
  • Clareza-Ambiguidade. A agudeza está vinculada à clareza da expressão visual, o que facilita a interpretação da mensagem.

O conjunto de pares de conceitos que acabamos de relacionar tem por objectivo oferecer uma listagem ampla de situações compositivas que podemos encontrar numa composição fotográfica, ainda que seja possível encontrar outras não recolhidas neste pequeno inventário. Na análise de uma fotografia, empregamos apenas alguns destes conceitos.

A série de situações examinadas corresponde a manifestações da ordem visual cujo valor é, portanto, estrutural. Em nossa opinião, a ordem visual e a identificação de estruturas compositivas são conceitos que se relacionam dialecticamente, que se interrelacionam, pelo que pensamos não ser possível estabelecer uma relação hierárquica entre ambos. Simultaneamente, a identificação da ordem visual e de estruturas está carregada de significação, que não pode desligar-se da análise da composição.

Convém destacar que um bom número destas situações compositivas contém uma carga enunciativa que poderia qualificar-se como “modelizante” ou “aspectualizadora”, quer dizer, constituem marcas textuais e qualificadores que haverão de ser tratados, de forma monográfica, no último nível de análise, o nível interpretativo, no qual centraremos a nossa atenção sobre o modo como se articula o ponto de vista, autêntico “motor” da construção representacional, como propomos.

Trajecto visual

Mediante o trajecto visual estabelecemos uma série de relações entre os elementos plásticos da composição. A ordem na leitura dos elementos visuais é determinada pela própria organização interna da composição, que define uma série de direcções visuais. O professor Villafañe (pp. 187-190) estabelece uma classificação dos tipos de direcções visuais:

  • por um lado, as direcções de cena, internas à composição, seriam criadas através da organização dos elementos plásticos presentes no interior do enquadramento que, por sua vez, podem estar representadas graficamente (mediante elementos gráficos como a representação do movimento, a presença de braços ou dedos que assinalam direcções concretas ou a presença de formas e objectos pontiformes) ou induzidas pelos olhares dos personagens presentes no enquadramento.
  • por outro lado, as direcções de leitura, em certas ocasiões, são determinadas pela existência dos vectores direccionais presentes na própria composição. Também neste caso podemos sentir o peso da tradição cultural ocidental, na qual a leitura se realiza da esquerda para a direita e de cima a baixo.

Com frequência, o trajecto visual pode fazer-se de várias formas na leitura de uma fotografia, quando nos encontramos ante imagens de feitura complexa ou deliberadamente abertas, como ocorre com as práticas artísticas.

Estaticidade / dinamismo

A inclusão de um tópico dedicado ao exame da estaticidade/dinamismo da composição torna-se redundante a esta altura da análise, já que se trata de dois conceitos abordados noutros momentos, ao falar do ritmo, da tensão, da proporção, da distribuição de pesos ou da ordem icónica.

Sem dúvida, pensamos que é conveniente realizar uma valorização global para saber se uma composição é estática ou, pelo contrário, dinâmica, já que se trata de conceitos fundamentais no momento de analisar o tempo da representação que examinaremos atentamente neste mesmo nível de análise.

Este tópico permitir-nos-á realizar, em definitivo, um balanço global da valorização da presença da estaticidade/dinamismo da composição, ao relacionar distintos aspectos já tratados. Uma vez que o tema foi extensamente abordado noutros tópicos anteriores, entende-se como desnecessário reiterar o exposto anteriormente.

Pose

Em alguns géneros fotográficos como no retrato, a pose do modelo ou sujeito fotográfico é um elemento de capital importância. Aqui trata-se de descrever como posa o sujeito, se nos encontramos perante uma fotografia que pretende captar a espontaneidade de um gesto ou olhar determinados, ou se o modelo está a posar conscientemente. A valorização da sua atitude e o exame dos qualificadores serão tratados no nível interpretativo da análise.

Ocasionalmente, o sujeito ou objecto fotográfico é mostrado numa posição forçada, chamada também escorço, que, para alguns autores, como Arnheim (1979), pode ser interpretado, enquanto elemento dinâmico, como uma “plasmagem” do poder esmagador da morte, a resistência à destruição ou o processo de crescimento da vida.

A utilização de um escorço supõe a fractura da constância perceptiva, o que introduz uma ambiguidade estrutural semântica na composição, dando lugar a uma multiplicidade de leituras.

Outros

Este espaço fica reservado para a inclusão de outros conceitos que possam estar relacionados com o nível compositivo da análise da fotografia. Permanece aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem.

Comentários

No final do exame dos diferentes conceitos que enformam o estudo do sistema sintáctico ou compositivo da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes.


3.2 Espaço da representação

A representação do espaço é uma modelização do real. No caso da fotografia, devemos estar conscientes que a imagem obtida é sempre o resultado de uma operação de recorte do continuum espacial, uma selecção que, consciente ou inconscientemente, responde sempre aos interesses do fotógrafo. É no espaço da representação, enquanto dimensão coadjuvante e estrutural, que tem lugar o desdobramento dos elementos plásticos e as técnicas compositivas que examinámos até ao momento.

A inclusão de um sub-tópico dedicado ao exame do espaço da representação deve-nos ajudar a definir como é o espaço que constrói a fotografia que analisamos, desde as suas variáveis mais materiais até às suas implicações mais filosóficas.

No campo da fotografia, o controlo do parâmetro técnico da abertura do diafragma e a objectiva eleita pelo fotógrafo possibilitam a construção da dimensão espacial da imagem.

Campo / Fora de campo

Como assinala Philippe Dubois, todo o acto fotográfico implica “uma tomada de vista ou olhar na imagem”, quer dizer, um gesto de corte: “Temporalmente (…) a imagem-acto fotográfico interrompe, detém, fixa, imobiliza, separa, despega a duração captando apenas um instante. Espacialmente, do mesmo modo, fracciona, elege, extrai, isola, capta, corta uma porção de extensão. A foto aparece assim, no sentido forte, como uma fatia única e singular de espaço-tempo, literalmente cortada em vivo” (p. 141). No que respeita ao espaço fotográfico, diferentemente do espaço pictórico, é um espaço que não está dado e que não se constrói. O espaço fotográfico é um espaço a tomar, uma selecção e subtracção que opera em bloco. “Dito de outra forma, para lá de toda a intenção ou de todo o efeito de composição, o fotógrafo, desde logo, sempre corta, dá um talho, fere o visível. Cada vista, cada tomada é inelutavelmente um golpe que retém um troço de real e exclui, rechaça, despoja o entorno (o fora de campo). Sem dúvida, toda a violência (e depredação) do acto fotográfico procede no essencial deste gesto de cut” (p. 158).

Como é sabido, o campo fotográfico define-se como o espaço representado na materialidade da imagem, e que constitui a expressão plena do espaço da representação fotográfica. Mas a compreensão e interpretação do campo visual pressupõe sempre a existência de um fora de campo, que se lhe supõe contíguo e que o sustenta.

As formas de representação do fora de campo em fotografia e as suas significações podem ser muito variadas. A representação fotográfica dominante, que poderíamos relacionar com o paradigma de representação clássico, caracteriza-se por oferecer um campo visual fragmentário, mas que oculta, ao mesmo tempo, a sua natureza descontínua, mediante um apagamento das marcas enunciativas para que o espectador não perceba a natureza artificial da construção visual. O paradigma clássico baseia-se na construção de uma impressão de realidade, mais acentuada ainda que noutros meios audiovisuais como o cinema e o vídeo.

Sem dúvida, o fora de campo e a ausência são elementos estruturais de uma interpretação ou leitura da representação fotográfica, como sucede no terreno da representação fílmica.

Independentemente de outras reflexões, torna-se evidente que os objectos ou personagens no campo podem “apontar” para o fora de campo, com o que se obtém uma complicação de ambos por contiguidade; mas, sobretudo, espelhos, sombras, etc. são elementos que inscrevem directamente o fora de campo no campo.

Aberto / Fechado

Este par de conceitos não se refere somente à dimensão física ou material da representação. A representação de um espaço aberto tem uma série de implicações no que respeita às determinações que este contém relativamente ao sujeito ou objecto fotografado, e também com o tipo de relação de fruição que a imagem promove no espectador. O mesmo sucede com os espaços fechados. Falamos, também, dos efeitos metafóricos que supõe a representação de um ou outro tipo de espaço. Recordemos que nos referimos sempre ao estudo e análise de fotografias complexas.

Interior / Exterior

Este par de conceitos não se refere somente à dimensão física ou material da representação. A representação de um espaço interior tem uma série de implicações no que respeita às determinações que este contém relativamente ao sujeito ou objecto fotografado, e também com o tipo de relação de fruição que a imagem promove no espectador. O mesmo sucede com os espaços exteriores. Falamos, também, dos efeitos metafóricos que supõe a representação de um ou outro tipo de espaço.

Concreto / Abstracto

Este par de conceitos não se refere somente à dimensão física ou material da representação. A representação de um espaço concreto tem uma série de implicações no que respeita às determinações que este contém relativamente ao sujeito ou objecto fotografado, e também com o tipo de relação de fruição que a imagem promove no espectador. O mesmo sucede com os espaços abstractos. Falamos, também, dos efeitos metafóricos que a representação de um ou outro tipo de espaço supõe.

Profundo / Plano

No estudo do sistema compositivo temos feito referência à importância da perspectiva e da profundidade de campo na construção do espaço da representação. Neste nível de análise, trata-se de avaliar em que medida a representação plana do espaço corresponde a um olhar mais estandardizado ou normalizado como o classicismo, em confronto com a representação em profundidade, mais próxima da configuração plástica barroca, segundo a distinção avançada por Wölfflin, que examinaremos com mais detalhe no nível interpretativo da análise.

Habitabilidade

Segundo o grau de abstracção da imagem, torna-se mais ou menos fácil que o espaço possa ser habitável pelo espectador. A habitabilidade faz referência ao tipo de implicação que a representação fotográfica promove na operação de leitura da imagem. Deste modo, falaremos de maior ou menor habitabilidade em função da identificação ou distanciamento, como forças centrípeta e centrifuga, que o espaço sugira ao espectador. Voltaremos a estes conceitos de forma mais detalhada no tópico seguinte, em concreto na parte dedicada ao estudo da enunciação.

A caracterização de um espaço como espaço simbólico produz-se quando a representação fotográfica se afasta da vocação indicial da fotografia, enquanto marca do real, como diria Dubois.

Santos Zunzunegui assinala, a propósito da fotografia de paisagem, que uma paisagem será indicial “quando nela predomine a sua dimensão constatativa”, enquanto que uma paisagem fotografada será considerada “simbolista ou simbólica”, “na medida em que o fundamental da sua estratégia significativa coloque o visível ao serviço do não visível” (p. 145).

Se em alguns fotógrafos David Kinsey ou Timothy O’Sullivan a fotografia de paisagem tem um valor testemunhal, em Ansel Adams todo o trabalho parece dirigir-se para “a construção de uma visão substancialmente estética do mundo e das coisas”. Em Adams, a poética indicialista é substituída por “um trabalhado jogo luminoso que estende pontes entre a cascata, o rio e o arco-íris criando uma emotiva sensibilidade dramática ante a luz” (p. 152).

De facto, o espaço simbólico de que vimos falando poderia considerar-se como um espaço subjectivo, em termos estritamente semânticos. O reconhecimento de uma poética simbólica é algo que dependerá do sujeito que realize a análise, já que na operação de leitura o que irrompe é também a própria experiência subjectiva do intérprete.

Enceneção

O dispositivo fotográfico não pode ser entendido como uma mero agente reprodutor, mas antes como um meio desenhado para produzir determinados efeitos, isto é, a impressão de realidade, entre outros. Neste sentido, a imagem fotográfica não é estranha a uma acção deliberada de enunciação textual, a uma encenação que transporta uma ideologia concreta e que qualquer análise não pode ignorar.

Este aspecto está intimamente ligado ao da articulação do ponto de vista que examinaremos com detalhe no próximo capítulo.

Outros

Este espaço fica reservado para a inclusão de outros conceitos que possam estar relacionados com o nível compositivo da análise da fotografia. Permanece aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem.

Comentários

No final do exame dos diferentes conceitos que enformam o estudo do sistema sintáctico ou compositivo da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes.


3.3 Tempo da representação

Como ocorre com o espaço, o tempo de uma imagem é sempre uma modelização do real. No caso da fotografia, devemos recordar que, mais ou menos explicitamente, a temporalidade está profundamente ligada à própria natureza do meio fotográfico. Toda a fotografia supõe um “corte” do contínuo temporal, uma selecção interessada de um momento essencial que, segundo os casos, pode expressar desde a singularidade de um instante à narração de um relato complexo, com uma temporalidade mais ou menos dilatada.

Enquanto elemento estrutural da imagem, a temporalidade constrói-se através da articulação de uma série de elementos, como nos recorda Villafañe. Entre outros, podemos citar o próprio formato e escala da imagem, o ritmo, as direcções de leitura da fotografia ou o tipo de representação seleccionado, como a composição em perspectiva.

No campo da fotografia, o controlo do parâmetro técnico da velocidade de obturação é o que possibilita a construção da dimensão temporal da imagem.

Instantaneidade

A instantaneidade refere-se ao modo como a fotografia constitui sempre a representação e captação de uma pequena fracção de tempo do contínuo temporal. Cartier-Bresson falava do “instante decisivo” ao referir-se à importância do momento da captura fotográfica, no qual é congelado um instante de valor transcendental. A eleição e consecução desse instante não é fruto da casualidade, mas implica uma atitude, predisposição e preparação especiais do fotógrafo.

Alguns autores como Santos Zunzunegui (1994), a propósito do género da paisagem, falam também da pontualidade como categoria aspectual da temporalidade que se define como ausência de duração, ainda que num sentido distinto do de Cartier-Bresson. As fotografias de Timothy O’Sullivan y Robert Adams apontam à mesma categoria aspectual: a pontualidade como ausência de duração. As fotos de O’Sullivan mostram duas variantes em acção: o término da actividade (“chegou-se até aqui na exploração”) e o início da actividade (“começa a possessão do território”). A pontualidade, em algumas fotografias de paisagem como as de Robert Adams, concretizar-se-ia “em termos exclusivos de término da actividade”, mostrando nas suas fotos como “algo que sucedeu” (p. 169). A tarefa do fotógrafo já não é aqui captar o instante decisivo (Cartier-Bresson), mas “testemunhar o final de toda a utopia acerca da natureza” (p. 169). Nestes casos analisados por Zunzunegui, as paisagens fotográficas baseadas na ideia de pontualidade (descontinuidade) remeteriam ao sistema de representação clássico.

Noutros casos, o congelamento do tempo constitui, simplesmente, uma estratégia para provocar um forte efeito de estranhamento no espectador, como sucede com Philippe Halsman e o seu famoso retrato de Dali. Em geral, esta categoria se oporia à ideia de tempo como duração.

Duraçao

A representação de uma duração do tempo é, paradoxalmente, outra opção discursiva do texto fotográfico. As fotografias realizadas a baixa velocidade oferecem-nos representações muito peculiares do mundo que nos rodeia, sobretudo quando se empregam prolongados tempos de exposição. O varrimento é desse modo outra técnica que permite transmitir essa ideia de duração. Somada à ideia de movimento, já que consiste na realização de uma fotografia a média ou baixa velocidade seguindo o movimento de um sujeito ou objecto. Este tipo de vistas produzem no espectador um efeito de estranhamento e, em certas ocasiões, uma representação espectacular do mundo. Em certos casos, a presença de relógios, calendários e outros objectos, a leitura sequencial da fotografia ou a presença de uma imagem que faz parte de uma série de fotografias (Duane Michals) são elementos que remetem à ideia de tempo como duração, em cujas imagens se nota a presença de marcas temporais.

Para Santos Zunzunegui, “as poéticas fotográficas da obra de Ansel Adams y Edward Weston pertencem ao território da durabilidade, no qual tem lugar a produção de um efeito tensivo de expansão da duração”. Trata-se de um tempo indeterminado, indefinido, “dando lugar a uma espécie de estado estacionário que se constitui como uma durabilidade contínua, na qual a natureza parece auto-fundar-se”, no caso de Ansel Adams. No de Weston, “a micro-paisagem instala-se para lá de qualquer tempo”. A durabilidade parece ser o resultado de “uma larga duração geológica, que responde a a um paciente trabalho muito tempo antes preparado” (p. 169).

Nestes casos analisados por Zunzunegui, as paisagens fotográficas baseadas na ideia de durabilidade (continuidade) remeteriam ao sistema de representação barroco.

Atemporalidade

O termo atemporalidade é utilizado, com frequência, como sinónimo da durabilidade, quer dizer, da concepção e representação do tempo como duração. Quisemos diferenciar este parâmetro para dar conta daqueles casos em que a fotografia não apresenta nenhum tipo de marcas temporais. Na realidade, caberia dizer que não é possível que um texto fotográfico careça de marcas temporais, já que enquanto representação toda a fotografia se deve inscrever no contínuo temporal, ainda que constitua apenas uma breve porção deste.

Não obstante, pensamos que existe uma infinidade de fotografias, em géneros como a fotografia publicitária ou a fotografia industrial, nas quais se produz uma deliberada ocultação das marcas temporais. Frequentemente, este efeito discursivo é motivado pelo peso do sistema representacional clássico, no qual o apagamento das marcas enunciativas é um princípio seguido fielmente, destinado a potenciar a ilusão de realidade.

Tempo simbólico

O reconhecimento da existência de um tempo simbólico na imagem produz-se quando a representação fotográfica se afasta da vocação indicial da fotografia enquanto marca do real, como diria Dubois.

Seguindo a exposição de Zunzunegui, na sua análise da fotografia de paisagem assinala: “o que define primordialmente esta poética simbolista de Ansel Adams encontra-se no facto de que as suas imagens apontam na direcção de algo diferente do que dão a ver, remetem a uma realidade que existe mais além do propriamente representado” (1994, p. 160). Zunzunegui recorda-nos as palavras de Argan quando fala da “poética do absoluto”: “o que vemos não é mais que um fragmento de realidade; pensamos que antes e depois desse fragmento é infinita a expansão do espaço e do tempo (…), saltamos para lá do visto e do visível (…). O que vemos perde todo o interesse (…); o que não vemos, a sua infinitude desperta a angústia da nossa própria finitude” [G. C. Argan: El arte moderno 1770-1970. Valência: Fernando Torres Editor, 1975, p. 11]. Isto leva-o a assinalar que nos encontramos ante a representação do sublime kantiano, onde “o sublime consiste somente na relação na qual o sensível, na representação da natureza, é julgado como próprio para um uso supra-sensível do mesmo” [Immanuel Kant: Critica del juicio. Madrid: Espasa-Calpe, 1979, p.170] (p. 161). A natureza que mostra Ansel Adams é uma natureza pristina, primogénea, que importa relacionar com o mito americano da viagem para oeste.

No caso de composições fotográficas abstarctas, onde não é possível identificar motivos figurativos, como sucede com as fotografias de Alfred Stieglitz na sua série Equivalências, imagens de céus com nuvens quase inidentificáveis, pode-se falar igualmente da manifestação de um tempo simbólico, cuja poética repousa no onirismo da representação. Encontramo-nos perante um tipo de temporalidade para cuja decifração é imprescindível a actividade do intérprete.

Tempo subjetivo

De facto, o tempo simbólico de que vimos falando poderia considerar-se como um tempo subjectivo, em termos estritamente semânticos. O reconhecimento de uma poética simbólica é algo que dependerá do sujeito que realize a análise. Não obstante, em certas ocasiões pode considerar-se que o tempo representado numa fotografia adquire uma dimensão particularmente subjectiva para o analista, dificilmente descodificável para outros intérpretes.

O conceito de punctum barthesiano poderia ser relacionado com a presença de um tempo subjectivo na imagem. O conceito de punctum barthesiano poderia ser relacionado com a presença de um tempo subjectivo na imagem. O punctum define-se por contraposição ao studium: “Neste espaço habitualmente tão unitário, por vezes (mas, desgraçadamente, raramente) um «detalhe» atrai-me. Sinto que a sua simples presença muda a minha leitura, que olho uma nova foto, marcada pelos meus olhos com um valor superior. Este «detalhe» é o punctum (o que me fere). Não é possível estabelecer uma regra de enlace entre o studium e o punctum (quando ali se encontre). Trata-se de uma co-presença, é tudo o que se pode dizer…” (p. 87).

O studium, por seu lado, supõe “encontrar fatalmente as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas sempre compreendê-las, discuti-las em si mesmas, pois a cultura (da qual depende o studium) é um contrato firmado entre criadores e consumidores” (p. 66-67). Deste modo, a análise da imagem fotográfica pode ser transferida para o âmbito de uma radical subjectividade, onde os sentimentos e o prazer visual aparecem entrelaçados.

Assim, studium e punctum não são traços que se circunscrevem ao âmbito do temporal. Esse gesto, olhar, tensão, etc., que nos comove transporta uma interrupção da leitura da imagem, da direccionalidade que possa encerrar. O tempo subjectivo é um tempo catalítico, que supõe uma suspensão do fluir temporal, também ou sobretudo, na operação de leitura, porque o que irrompe na imagem é a própria experiência subjectiva do intérprete. Não em vão, as reflexões de Barthes a propósito destas questões surgem da contemplação do álbum de fotografias familiar, que a um estranho nada podem comunicar. Sem dúvida, a projecção dos próprios fantasmas do intérprete faz com que a contemplação de uma fotografia se converta numa actividade de intensa emoção e intimidade em alguns casos.

Secuencialidade / Narratividade

A ordem visual e as direcções de leitura são alguns factores que resultam determinantes para reconhecer na imagem a presença de uma sequencialidade temporal ou narratividade na fotografia. Numerosas fotografias de Duane Michals baseiam-se neste princípio. Como nos recorda Zunzunegui, “uma imagem é, juntamente com o plástico, um conjunto de determinações narrativo-figurativas que, mediante complexas operações sintáctico-semânticas, constroem o efeito de sentido temporal” (p. 172). O próprio tempo de leitura de uma imagem é já de natureza temporal. É claro que toda a imagem conta uma história, mais ou menos pequena, sempre com a ajuda da nossa participação activa na sua leitura.

Outros

Este espaço fica reservado para a inclusão de outros conceitos que possam estar relacionados com o nível compositivo da análise da fotografia. Permanece aberto ad libitum ao analista ou estudioso da imagem.

Comentários

No final do exame dos diferentes conceitos que enformam o estudo do sistema sintáctico ou compositivo da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes.


3.4 Reflexão Geral

No termo do exame dos distintos conceitos que enformam o estudo do nível compositivo da imagem, é conveniente realizar uma síntese dos aspectos mais relevantes.

Após de termos examinado o nível compositivo da imagem, no qual muitos conceitos possuem uma dimensão mais ou menos objectivável, podemos constatar que as reflexões realizadas não estão isentas de uma considerável carga subjectiva projectada pela analista, e pela sua competência de leitura, o que é determinado pelo conhecimento prévio (o background cultural) do próprio investigador.

O estudo realizado no presente nível permitiu-nos fixar as características da estrutura compositiva da fotografia, uma estrutura que não possui um valor ontológico, quer dizer, que não se oculta sob a superfície do texto fotográfico que analisámos. Uma mesma análise realizada por diversos investigadores proporcionar-nos-ia resultados bastante diferentes. Este facto não deve preocupar-nos excessivamente: o realmente importante é que as reflexões realizadas estejam devidamente argumentadas.